segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Resenha do livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil

Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil
Autor: LEANDRO NARLOCH
Editora: Leya
ISBN: 9788562936067

Neste livro, o autor procura desconstruir alguns chavões recorrentes quando se trata da história do Brasil. Ele passa pela questão do relacionamento entre índios e negros com os brancos, pela Guerra do Paraguai, pela negociação do Brasil com a Bolívia sobre o Acre, pela biografia do escultor Aleijadinho, pela invenção do avião e outros fatos, que segundo o autor, têm um entendimento geral diferente dos fatos realmente ocorridos.

Ou seja, o autor faz o papel de advogado do diabo da História brasileira, procurando mostrar com um tom bem humorado, um lado diferente daquele que sempre nos foi mostrado seja pelos livros didáticos ou pelo senso comum das pessoas.

O que me preocupa neste livro, é que o autor ao inverter o sentido dos fatos históricos, esteja fazendo a mesma coisa que os livros oficiais fazem, porém com um ponto de vista diferente, ou seja, vender uma "verdade" absoluta sobre fatos históricos. A questão é que os fatos históricos sempre são muito mais complexos do que se pode registrar em um livro. Qualquer registro sempre vai envolver um ponto de vista mais restrito que a realidade, que pode não ser totalmente verdadeiro, mas, pode também não ser totalmente falso.

O próprio autor chega a citar isso no livro e questionar se ele apenas não estaria fazendo o papel inverso dos livros oficiais. Ele argumenta que este tipo de questionamento não tem muita importância, pois ele apenas está procurando revisar aquilo que de maneira geral se considera como verdade absoluta e fazer com que as pessoas tenham uma postura mais crítica ao ler um relato histórico.

De qualquer forma, o autor se vale bastante de referências bibliográficas e dá para perceber que ele não procura fazer afirmações levianas sem embasamento documental. Assim, é possível acreditar que boa parte do que está no livro tem um bom fundamento histórico e se não é absolutamente verdadeiro também não é completamente estapafúrdio.

Assim, eu recomendo a leitura do livro, pois é uma oportunidade interessantíssima de conhecermos outros pontos de vista sobre a história brasileira. Eu pessoalmente sempre acreditei naquela história de que os voos dos irmãos Wright não haviam sido documentados e nem tiveram testemunhas, que é o contrário do que diz o livro. Porém, como sugere o próprio autor, é recomendável sempre procurar manter o espírito crítico diante de cada afirmação.

O livro começa com o autor mostrando a relação entre índios e portugueses durante o início da colonização do Brasil. Ele mostra que essa relação foi muito mais complexa e com vantagens e desvantagens para cada lado, do que é mostrado nos livros de história, onde os índios são os mocinhos e os portugueses os bandidos. O autor relata que muitos índios destruíam as matas mais que os portugueses e que eles gostavam muito de se aproximar dos portugueses e viver nas vilas construídas pelos mesmos. Assim como os portugueses se aproveitaram bem das festas e de liberalidade sexual dos índios.

Depois, o livro entra no assunto dos negros e da escravidão. Relata que boa parte do comércio de escravos foi realizado em parceria com negros africanos que escravizavam as tribos rivais e que muitos negros alforriados no Brasil se tornaram donos de escravos. Além disso, ele questiona o papel de Zumbi como um herói que salvava os negros da escravidão e o retrata como um chefe autoritário de uma comunidade rebelde.

Em seguida o autor questiona os relatos que consideram o samba como música de raiz brasileira e mostra que o samba foi formado a partir de uma série de gêneros musicais diferentes sem uma identidade muito clara e que apenas durante o governo de Getúlio Vargas, que tinha um forte viés fascista, se procurou valorizar a identidade nacional e o samba, em conjunto com as escolas de samba e os desfiles de carnaval, que ajudaram a moldar esta identidade como parte da propaganda do regime. Inclusive, ele traça um interessante paralelo entre a forma de organização e desfile das escolas de samba, com os desfiles militares que eram usados nos países fascistas europeus como forma de mostrar a força e a organização do regime.

No capítulo seguinte, o autor desmente as razões geralmente alegadas para o início da Guerra do Paraguai: que o Paraguai era um dos países sul-americanos mais prósperos, com uma indústria emergente e que isso preocupava a Inglaterra, que acabou patrocinando um massacre do Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. O autor alega que a guerra do Paraguai teve como única causa um ditador insano, que queria conquistar territórios à força e afrontou de uma só vez os seus principais vizinhos. Inclusive, o autor afirma que o Paraguai nunca foi próspero, não tinha indústria emergente e que a Inglaterra não teve nenhuma influência na guerra.

Depois, o autor alega que o escultor Aleijadinho é meramente uma figura literária. Não existe nenhum registro histórico sobre a doença do escultor, poucas obras podem ser realmente atribuídas a Antônio Francisco Lisboa e que o resto todo é lenda. Inclusive, mostra relato de vários críticos de arte que questionam a qualidade das esculturas do Aleijadinho.

Em seguida, o autor questiona afirmações de que o Brasil "surrupiou" o Acre da Bolívia e mostra que o Brasil fez de tudo para se livrar do Acre, mas, não conseguiu. Acabou pagando caro à Bolívia para ficar com o território e de lá para cá, levou apenas prejuízo com o Acre.

Uma das figuras que o autor mais desconstrói no livro é Santos Dumont. Ele retrata o aviador como vaidoso, capaz de mentir para aumentar os seus feitos, esconder defeitos e depreciar o trabalho dos concorrentes, além de afirmar que provavelmente ele tenha sido homossexual. Segundo o autor, quando Santos Dumont voou com o 14 Bis, que fazia apenas voos curtos e baixos, os irmãos Wright já faziam voos com autonomia de 50 km, em alturas razoáveis e fazendo manobras completas. Disse que esses fatos estão amplamente documentados e registrados pela imprensa norte-americana da época e que quem lançou o questionamento sobre a não documentação dos voos e da necessidade de uma catapulta para decolar os aviões dos Irmãos Wright, foi o próprio Santos Dumont em uma tentativa de diminuir o trabalho dos seus concorrentes e que, atualmente, nem na frança se atribui os primeiros voos a Santos Dumont, apenas no Brasil se insiste nisso.

Por último, o autor procurar diminuir a imagem de Luis Carlos Prestes e o mito de que ele era um líder. Ele relata que Prestes tomou decisões equivocadas ou não tomou decisões por pura incompetência. Foi um radical insensível, sendo responsável pelo assassinato de uma jovem em uma situação tão chocante como o caso de Olga Benário, porém, que acabou sendo esquecido pela história oficial.

Portanto, é possível ver que o livro tem assunto para muitas discussões acaloradas sobre mitos e verdades estabelecidas, mas, o bom deste livro é isso mesmo, abrir um espaço para que possamos tentar entender a nossa história por outro ponto de vista.

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